A Face oculta da modernidade empresarial
Felizmente, infelizmente, as inovações e os avanços tecnológicos forjaram radicalmente o modo de ver e pensar da sociedade, cada vez mais imediatista. Alguns já estão até viajando de ônibus espacial para ver as estrelas e mazelas da Terra de outro ângulo. Presenciamos a revolução digital, o surgimento de novas indústrias, o acesso à informação em tempo real e a expansão das redes sociais - focando e desfocando a realidade, descontruindo estruturas até então firmes, formando abismos incalculáveis de percepções e mérito. Contudo, em meio a esse cenário de ponto de mutação e aparente progresso, uma ferida ainda persiste e ameaça rasgar a pele: o trabalho escravo.
Por trás das fachadas corporativas, por trás da imagem de responsabilidade ambiental e social, dos selos, certificações e prêmios corporativos, muitas empresas perpetuam o horror da exploração humana, utilizando mão de obra análoga à escravidão ou até mesmo pior. Estarrecedor, mas real, mesmo com todos os avanços, ainda há setores em que a prática do trabalho escravo persiste de forma velada, contínua, crescente. Tudo em nome do lucro. Essas empresas, muitas vezes, se camuflam em discursos éticos, modernos, sustentáveis, mas suas cadeias de suprimentos revelam a verdade por trás do véu de prosperidade. Dos sapatos que calçamos ao vinho que degustamos - em notas dissonantes e retro gosto de insensatez -, é possível encontrar exemplos dessa realidade sombria.
A produção em massa exige custos baixos, prazos curtos, metas ambiciosas, levando algumas empresas a recorrerem a fornecedores que exploram mão de obra vulnerável. No campo e na cidade, mulheres, homens e crianças são subjugados a uma rotina de trabalho extenuante, privados de direitos básicos, expostos à própria sorte, distantes de tudo que se assemelhe à dignidade humana, algo explicito logo nas primeiras linhas de nossa Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
É alarmante perceber como algumas corporações estão mais preocupadas em seguir tendências repressoras medievais em vez de assegurar a dignidade das pessoas em suas operações. Sob a elegância dos trajes empresariais, senhoras e senhores escondem as atrocidades da exploração humana, em nome da busca incessante pelo lucro, pelo crescimento em dois dígitos, pela vaidade que permeia esses corações desertos de compaixão.
O panorama é desolador, e por isso é urgente que a sociedade seja tocada em sua sensibilidade, mexa-se para combater o trabalho escravo em todas as suas formas. Os consumidores têm um papel crucial ao exigir transparência e responsabilidade das empresas que apoiam com seu poder de compra. Além disso, é necessário fortalecer a fiscalização, aplicar punições rigorosas às organizações que perpetuam esse crime hediondo.
Em 2022, o Brasil viu um número recorde de seres humanos - nativos de importados -, resgatados de alojamentos que mais pareciam cativeiros, chiqueiros, ou coisa pior. Este ano, a tendência, infelizmente, não é de ver esses números caírem. Desde 1995, quando o país reconheceu a existência da escravidão contemporânea, quase 50 mil pessoas já foram retiradas de ambientes hostis e insalubres, sempre doentes, desnutridas, desonradas, desassistidas de qualquer amparo, algo impossível de se aceitar em tempos tão modernos, como querem nos fazer entender goela abaixo.
Não aceitável que a modernidade seja manchada pela opressão e pela exploração, camufladas por selos e certificações que servem apenas para ocupar um espaço na sala de reunião, na mesa da alta direção e no recall da vaidade corporativa. É imperativo que empresas sejam verdadeiramente responsáveis, comprometidas com a dignidade humana, cumpridora dos direitos dos trabalhadores, não uma falsa impressão para tirar os bocejos sonolentos do conselho administrativo. Somente assim poderemos construir um futuro no qual a igualdade, a justiça e o respeito sejam valores fundamentais em todas as esferas da sociedade.
A comunicação empresarial não deve ser utilizada como uma cortina de fumaça para encobrir práticas indignas e cruéis. Se permitirmos que isso ocorra, estaremos tornando um instrumento tão relevante para o estabelecimento de um diálogo construtivo com a sociedade em uma aliada do crime, do terror e de tudo que há de mais repugnante na conduta humana, traduzido por corporações controversas.
É chegada a hora de uma mudança de paradigma, em que a transparência, a responsabilidade social e o respeito aos direitos humanos sejam princípios inegociáveis nas ações empresariais. As empresas devem ser agentes de transformação, não ser indutora de males e injustiças.
Cabe a nós, comunicadores, consumidores conscientes e cidadãos engajados, lutar por um mundo em que a ética e a dignidade prevaleçam sobre o lucro acima de tudo. De verdade, não fazendo de conta.
O caminho ficará mais claro com esforço conjunto, envolvendo governos, empresas e sociedade civil, para construirmos um futuro em que a comunicação empresarial seja utilizada como uma ferramenta de promoção da justiça social, da igualdade e do respeito à dignidade humana. É hora de romper com as correntes do passado, construir uma nova realidade de verdade, onde as corporações sejam agentes de mudança e os direitos humanos sejam o alicerce de nossas relações econômicas e sociais.
Marcio Freitas